domingo, 18 de julho de 2010

Rio dos Cariocas

Que o Rio de Janeiro é a cidade dos cariocas da gema é indiscutível. Mas também é a cidade dos cariocas dos pampas, da garoa, do dendê, e do brejo, como eu. Cresci no interior de Minas sendo jocosamente chamada de carioca do brejo, como sinônimo de caipira. Mas, “carioca” que sou, acabei me tornando mais uma na multidão de exilados de suas “pátrias” que se aglomeram nos altos e baixos da cidade maravilhosa. Para os da gema, assim a cidade é. E pra nós, imigrantes, que Rio é esse?
Enxergo uma jóia mal tratada. Perder o posto de capital, associado à negligência governamental, promoveu um sucateamento que nem Vik Muniz daria conta de aproveitar. O descaso com a cidade me faz pensar na teoria da janela quebrada: uma vez que algo não esteja intacto, as pessoas se sentem autorizadas a não cuidar mais. Algo como jogar lixo pra todo lado porque o muro está pichado. O Rio pode ser muito feio. E muito sujo, imundo.
Depois de alguns anos morando aqui cheguei à conclusão que a cidade é bonitinha mas ordinária, me apropriando das palavras de outro carioca, desta vez do frevo. Explico. O mercado de trabalho está há anos luz das remunerações paulistas, a especulação imobiliária proibitiva. Temos praias lindíssimas, mas passo meses sem molhar meus pés no mar; montanhas imponentes que não tenho tempo de subir; e o chope mais gelado que há um bom tempo não paro para tomar. De que adianta então morar nessa selva de pedra onde o trânsito está impraticável e um tiro pode cruzar seu caminho a qualquer momento?
Outro motivo de estranhamento entre os não-gema é a dinâmica da conquista na noite da cidade. Existe algo de bizarro entre as mulheres marrentas e os homens blasés que não se conversam mas se beijam. Não entendo, não gosto, não entro no jogo. Mas é assim que a banda toca. Muitas vezes acaba da seguinte maneira: gemas para um lado, o resto para o outro. Quase um apartaide entre o amarelo e o resto do espectro.
Você, da gema amarelinha deve estar roxo de raiva neste momento. Quem essa caipira pensa que é para destratar assim meu paraíso, nosso povo? Calma, pois já não disse que sou carioca também! Tenho uma amiga, também brejeira, que diz que “o homem criou Paris assim como Deus o Rio”. E quem sou eu pra discordar de uma frase tão definitiva.
O que faríamos nós fora daqui? Viveríamos no ostracismo. Onde mais ficaria engarrafada querendo que o trânsito continue parado para poder olhar com mais cuidado o sol tangenciar o maciço de montanhas da floresta ao corcovado e colorir a lagoa de dourado, onde um remador passa lentamente, como uma bucólica cena de filme? Em que cidade do mundo você sai da praia e duas horas depois está assistindo a um concerto em um teatro da categoria do Municipal? Me diga outro local onde o sol é aplaudido de pé ao se pôr no horizonte, onde haja 42 quilômetros tão exuberantes para uma maratona, onde exista uma floresta inteira bem no seu coração, onde andar de Havaianas não seja visto como desleixo, onde o dia comece com névoa, sol e barquinhos sob o Pão de Açúcar. Que outra cidade é capaz de contrariar a sensatez e abduzir pessoas de todo o mundo os tornando cariocas também? Se o mundo é um ovo, a gema é carioca. Penso que a clara também!

Nenhum comentário:

Postar um comentário